Vanessa, Jornalista e Cigana!
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Meu nome é Vanessa Ezequiel Lopes e atualmente trabalho de forma independente em diversas áreas. Formo empresas sobre DEI, presido a associação Rizoma, colaboro com a RTP e sou jornalista na Christian Life Magazine.

O que a motivou a seguir o jornalismo?
R: Um dos principais motivos que me levou a escolher o jornalismo foi a vontade de recuperar o tempo perdido durante a adolescência, um período em que não tive a oportunidade de estudar, nem acesso a livros ou à informação. Sentia que me faltava um mundo inteiro por descobrir, e vi na comunicação social uma forma de o alcançar.
Sabia que seria impossível aprender, em três anos de licenciatura, tudo o que outras pessoas tinham aprendido ao longo de uma vida inteira. Mas o jornalismo oferecia-me algo precioso: a possibilidade de aprender todos os dias. De estar em contacto constante com diferentes temas, de ler, de investigar e de crescer intelectualmente.
Ao mesmo tempo, trazia comigo uma motivação mais profunda — talvez até um pouco idealista — de querer mudar a forma como a comunicação social retrata a comunidade cigana. Queria contribuir para uma imagem mais justa e equilibrada, e ser uma ponte entre mundos que muitas vezes não se conhecem verdadeiramente.

Sonhava em ser uma referência, não apenas para a minha comunidade, mas também para a sociedade em geral. Durante muito tempo, nunca tinha conhecido uma mulher cigana jornalista, e isso reforçava em mim o desejo de abrir caminho, de mostrar que também nós podemos ocupar estes espaços, contar histórias e fazer parte da mudança. Por esse motivo, fui apelidada por muitos como a primeira mulher cigana jornalista em Portugal. Esse reconhecimento implicou uma grande responsabilidade e o constante receio de defraudar quem acreditava em mim.
Hoje, percebo que cada palavra escrita, cada história contada, tem o poder de abrir portas, desafiar preconceitos e inspirar outros a acreditarem que também podem ocupar o seu lugar. Esse é o poder da representatividade.
Como foi o seu percurso de formação e entrada no mundo da comunicação social?
R: Comecei o meu percurso académico um pouco mais tarde, só entrei na faculdade aos 23 anos. Até lá, trabalhei para juntar o dinheiro necessário e tornar possível um sonho que sempre tive: estudar e seguir uma carreira na área da comunicação. A entrada não foi fácil. Não tinha as bases nem o percurso tradicional de quem chega diretamente do ensino secundário, mas tinha uma enorme vontade de aprender e de crescer.
Foram anos muito desafiantes. Trabalhava na SportTV e estudava ao mesmo tempo, e quando chegava a casa, ainda me esperavam horas de estudo para conseguir acompanhar o ritmo da faculdade. Foi um verdadeiro exercício de persistência e autodisciplina.
Durante esse percurso, tive a oportunidade de fazer um estágio curricular na Agência Lusa e, mais tarde, entrei num concurso para o Jornal Público. Fiquei lá durante algum tempo — uma experiência muito enriquecedora — embora não tenha sido contratada no final. Depois disso, colaborei com o Gerador e com um jornal regional, sempre à procura de aprender mais e de conquistar o meu espaço.
Fiz várias tentativas para entrar em jornalismo televisivo, o meu grande objetivo, até porque trabalho em televisão desde os 19 anos. No entanto, acabei por desempenhar sobretudo funções técnicas. Sempre acreditei que o jornalismo televisivo seria o meu caminho, mas percebi que, por vezes, a vida nos conduz por trajetos diferentes, e que também esses caminhos têm muito para nos ensinar.
A verdade é que nem todos partimos do mesmo ponto de partida, e competir com quem teve um percurso mais linear é um desafio real. As barreiras de entrada existem e são sentidas de forma muito concreta. Tenho pena de que não haja mais diversidade nas redações em Portugal — porque acredito que o jornalismo ganha força quando é feito por pessoas com experiências, origens e perspectivas diferentes.
Mais tarde, surgiu a oportunidade de colaborar com um jornal online cristão, a Christian Life Magazine. Um espaço que me acolheu e onde continuo a escrever até hoje.
O caminho pode ser mais longo e irregular, mas quando é movido pela paixão, tudo ganha sentido.
Quais são os temas que mais gosta de abordar nas suas reportagens?
R: Eu gosto muito de falar sobre questões de direitos humanos e sobre questões políticas.
Já teve oportunidade de trabalhar em matérias relacionadas com as comunidades ciganas?
R: Sim. Tive a oportunidade de desenvolver uma reportagem muito interessante para o Jornal Público, que gostei profundamente de realizar. Era uma reportagem multimédia sobre habitação, na qual percorri várias regiões do país para ouvir e contar histórias reais de pessoas da comunidade cigana. Apesar de nunca ter sido publicada — e sem compreender totalmente os motivos — foi uma experiência muito enriquecedora, que me permitiu entrar em contacto direto com vidas e realidades muitas vezes ignoradas.
Também na minha Associação, Rizoma, tenho a liberdade de criar e partilhar conteúdos sobre a comunidade cigana nas nossas plataformas. Felizmente existe a internet que nos permite ganhar voz.
Que desafios encontra como jornalista cigana nos meios de comunicação?
R: Um dos mais evidentes é a falta de diversidade nas redações em Portugal.
Além disso, creio que existe uma pressão constante para corresponder a expectativas.
Acha que a sua identidade cigana influencia o seu olhar jornalístico?
R: Cresci numa realidade marcada por exclusão e falta de acesso a oportunidades, o que me ensinou a olhar para as histórias com empatia, sensibilidade e atenção aos detalhes que muitas vezes passam despercebidos.
Essa perspetiva permite-me compreender melhor diferentes contextos sociais e humanos, questionar pressupostos e identificar nuances que enriquecem a narrativa jornalística. Influencia a forma como observo temas como habitação, educação, desigualdade, cultura ou política etc.
Uma visão de quem está entre dois mundos.
Na sua opinião, como é retratada a comunidade cigana nos meios de comunicação social portugueses?
R: A comunidade cigana é, sem dúvida, frequentemente retratada de forma estereotipada nos meios de comunicação social portugueses. Quando surgem representações de pessoas ciganas, raramente são positivas, sendo muitas vezes associadas a preconceitos ou imagens simplistas que não refletem a diversidade e a complexidade da comunidade.
O que mudaria na forma como a imprensa fala sobre pessoas ciganas?
R: Mudaria principalmente a forma como se olha para a comunidade cigana, deixando de lado os estereótipos e as generalizações. É essencial que a imprensa retrate as pessoas ciganas com rigor, diversidade e humanidade, mostrando as múltiplas realidades, conquistas e desafios da comunidade.
Gostaria que houvesse mais histórias positivas e complexas, que permitissem ao público conhecer as pessoas para além das ideias pré-concebidas. Isso passa por ouvir as próprias vozes ciganas, dar-lhes espaço para se expressarem e tratar os temas com sensibilidade, sem cair em sensacionalismo ou preconceito.
Em última análise, a mudança exigiria mais representatividade dentro das redações: quanto mais diversidade houver entre os jornalistas, mais rica e precisa será a cobertura das comunidades historicamente marginalizadas.
Considera importante haver mais jornalistas ciganos/as nas redações? Porquê?
R: Obviamente. A presença de jornalistas ciganos nas redações permite trazer perspectivas e experiências que muitas vezes estão ausentes na cobertura jornalística tradicional. Além disso, esses profissionais têm acesso a contactos e realidades que jornalistas não ciganos dificilmente conseguem alcançar.
A diversidade dentro das redações enriquece o jornalismo como um todo, tornando-o mais sensível, completo e capaz de refletir a pluralidade da sociedade.
E, quando isso não acontece de forma orgânica, é necessário implementar mecanismos que promovam a mudança, de forma a que, no futuro, se torne algo natural e normalizado.
Dizem que não existem ciganos formados para trabalhar. Eles existem, simplesmente não são aproveitados.





