Maria, a facilitadora Intercultural que é cigana!
- associacaoletrasno
- 4 days ago
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Maria João Onofre
36 anos
Naturalidade / Local onde vive: Estremoz
Até Agosto exercia funções no município de Estremoz, mas de momento estou no desemprego.
1. Pode contar-nos um pouco sobre o seu percurso pessoal e o que a levou a tornar-se facilitadora intercultural?
R: Tornei-me facilitadora intercultural após um incidente ocorrido em 2019, quando a comunidade cigana foi proibida de entrar nas piscinas de Estremoz. Pouco tempo depois, recebi o convite da Letras Nómadas para trabalhar como facilitadora, e aceitei com orgulho, pois sempre tive o desejo de ajudar o meu povo e de ser uma ponte entre as instituições e a comunidade cigana — para que sejamos ouvidos, respeitados e compreendidos.
Em 2023, dei um passo além e fundei a minha própria associação cigana, a Empower Roma, da qual sou dirigente desde então. A associação tem desenvolvido diversos projetos e ações de destaque em prol da valorização da cultura cigana, da igualdade de oportunidades e da promoção do diálogo intercultural.
2. Que papel tem a sua identidade cigana no trabalho que desenvolve?
R: A minha identidade cigana é o centro de tudo o que faço. Ser cigana dá-me uma compreensão profunda das tradições, dos valores e também das dificuldades que vivemos. Ao mesmo tempo, permite que as famílias confiem em mim e que as instituições vejam um exemplo positivo da nossa cultura. Sinto que represento as duas realidades e que posso construir pontes entre elas.
3. Que tipo de formação ou experiências considera essenciais para esta função?
É importante ter formação em mediação intercultural e também conhecer bem o funcionamento das escolas, dos serviços sociais e das autarquias. Mas, mais do que isso, é essencial ter empatia, paciência e capacidade de escuta. As experiências pessoais e o conhecimento da cultura cigana são fundamentais para compreender as situações com sensibilidade e respeito.
4. Quais são os principais objetivos do seu trabalho enquanto facilitadora intercultural em Estremoz?
R: Os meus principais objetivos são promover o diálogo, combater os preconceitos e apoiar a integração das famílias ciganas, sem que percam a sua identidade cultural. Quero contribuir para que haja mais compreensão mútua entre a comunidade cigana e as instituições e para que os jovens ciganos tenham mais oportunidades na educação e no emprego.

5. Que tipo de atividades ou iniciativas tem desenvolvido com a comunidade cigana local?
R: Iniciamos o trabalho com algumas ações de sensibilização nas escolas, acompanhamento de famílias, mediação em situações de conflito, e atividades culturais que valorizam a nossa tradição, como oficinas sobre a cultura cigana e momentos de partilha de histórias, música , dança.
6. Como tem sido o envolvimento das famílias e dos jovens nas ações que promove?
R: No início, algumas famílias estavam desconfiadas, mas com o tempo foram percebendo que o meu papel é ajudar, não julgar.
Os jovens até mostram vontade em participar mas como acabo sempre o contrato a meio dos anos letivos, acabo sempre por perder as "pontes" que vou construindo e quando volto, é sempre à estaca zero...
7. De que forma contribui para melhorar o diálogo entre a comunidade cigana e as instituições (escolas, autarquia, serviços sociais, etc.)?
R: Procuro estar sempre disponível para mediar situações, traduzir formas de pensar e ajudar ambas as partes a compreenderem-se. Muitas vezes, basta alguém que saiba escutar e explicar de forma simples e respeitosa.
8. Quais têm sido as maiores dificuldades que enfrenta no seu trabalho?
R: O preconceito. Muitas vezes é preciso explicar que as famílias ciganas também querem o melhor para os seus filhos e merecem ser tratadas com dignidade.
Outra grande dificuldade são os contratos de trabalho. Trabalho seis meses, depois um ano, e em vez de renovar, voltam a chamar-me pelo centro de emprego através dos programas CEI+. Falta continuidade, e isso faz com que o trabalho com a comunidade volte muitas vezes à estaca zero, perdendo-se as "pontes" que já construímos.
9. E quais as conquistas ou momentos mais positivos que destacaria?
R: Cada pequena vitória é importante como ver uma criança cigana a terminar o ano com sucesso, uma família sentir-se mais apoiada, ou uma escola mudar a forma como olha para os alunos ciganos. O reconhecimento do meu trabalho pelas duas partes é o que me dá força para continuar.
10. Que aprendizagens tem retirado do contacto diário com diferentes comunidades e culturas?
R: Aprendi que o respeito e o diálogo são as chaves de tudo. Cada pessoa tem a sua forma de viver e de ver o mundo e quando escutamos com o coração aberto e sem preconceitos conseguimos sempre encontrar pontos em comum.

11. Que mudanças gostaria de ver na forma como a sociedade olha para a comunidade cigana?
R: Gostaria que as pessoas vissem para além dos estereótipos. Que percebessem que somos um povo com uma cultura rica, com valores fortes de família, solidariedade e respeito. E que também queremos contribuir para a sociedade, se nos derem espaço e oportunidade.
12. Que mensagem deixaria às jovens ciganas que sonham seguir um caminho semelhante ao seu?
R: Diria que nunca deixem de acreditar em si mesmas. Que é possível estudar, trabalhar e realizar sonhos sem deixar de ser quem somos. A nossa força vem da nossa cultura e podemos ser pontes entre o nosso povo e o mundo.
13. Como imagina o futuro da mediação e da facilitação intercultural em Estremoz?
R: Vejo um futuro de crescimento, se o trabalho tiver continuidade. Acredito que haverá mais reconhecimento para esta função e mais investimento em formar mediadores e facilitadores em todas as escolas do município. Só assim conseguiremos construir uma verdadeira convivência baseada no respeito e na igualdade, desconstruindo aos poucos os muitos estereótipos que existem.





