João Alberto jurista cigano - Não me escondo de ser quem sou, cigano, cidadão e português, com orgulho!
- associacaoletrasno
- Oct 18
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1. Pode apresentar-se brevemente — o seu nome, origem e o cargo que desempenha no município?
R: Sou o João Carlos Alberto, sou cigano, técnico superior, jurista na Câmara Municipal de Coimbra. Comecei por prestar acessória jurídica na Divisão de Apoio Jurídico e Contencioso da Câmara Municipal. Atualmente sou gestor/instrutor de procedimentos de contratação pública.
2. O que o levou a seguir a área do Direito?
R: A necessidade de me defender, de saber reagir assertivamente às injustiças com as quais me fui deparando ao longo da vida, esse foi o primeiro motivo. Moro em Coimbra a dois quilómetros da universidade, não podia desperdiçar a oportunidade de me formar na melhor faculdade de Direito do país. Não podia passar ao lado dessa oportunidade. A juntar a isso, sempre senti uma enorme nobreza em todos aqueles que abraçam causas e as defendem na proteção de outras pessoas, quer sejam vítimas ou agressores. Aprendi com os ensinamentos do nosso grande mestre, Professor Doutor Castanheira Neves, “O Direito existe enquanto se realiza”, é imanente à condição humana. É esta condição que explica a diferença entre a barbárie e a civilização.

Houve alguém ou alguma experiência que o inspirou?
R: Sim. Com sete anos foi-me negado o direito de crescer e receber educação, receber o amor do meu pai. Foi assassinado à porta de casa, traído pelo melhor amigo, devido a uma rixa fútil e sem sentido. Na data desse acontecimento, nasceu um vazio incompreensível para uma criança de 7 anos. Com o passar do tempo, procuramos preencher explicativamente o que não deveria acontecer. Foi nascendo na minha consciência, a vontade e a necessidade de justiça, primeiro para mim, e depois, através mim para outras pessoas que dela sejam carecidas, no limite, até onde eu possa chegar…
3. Como é o seu trabalho no município? Quais são as principais funções que desempenha?
R: Na atualidade faço contratação pública. Instruo procedimentos de contratação pública, adquirindo serviços ou bens para a satisfação das necessidades do próprio Município ou, como na maioria dos casos, satisfação dos munícipes do concelho de Coimbra. Aplico essencialmente o código da contratação pública.
4. Considera que a sua identidade cigana influência, de alguma forma, a forma como exerce a sua profissão?
R: Sim. Na minha prática diária, em tudo o que faço, procuro fazer o melhor que sei. Tenho consciência que, a minha forma de agir está intimamente relacionada com os meus valores e educação que recebi. É o resultado da aprendizagem na comunidade cigana e não cigana. Não me escondo ou inibo de ser quem sou, cigano, cidadão e português, com orgulho, acrescento. O curioso é que os valores que me foram ensinados como cigano, estão perfeitamente adequados à vida social que tenho, ajudam-me a fazer mais e melhor o meu trabalho. Sei conscientemente que o que faço ou deixe de fazer será sempre objeto de avaliação. Vejo na condição de ser cigano a “condição incondicional” de ser pessoa, com a sorte e o privilégio de comungar com padrões que não se repelem, bem pelo contrário, na essência tem muito de semelhante, e nas diferenças só acrescenta!

5. Quais os principais desafios que encontra como jurista e como membro da comunidade cigana?
R: Não vou parar de estudar, assim tenha capacidade visual para poder continuar a ler!
O Direito obriga-nos a proceder assim, sem mais, impõe-se. Existem certas áreas do Direito que me são mais íntimas, tais como Direito Administrativo e Direito Penal, talvez porque são ramos do Direito onde os direitos das pessoas são mais carecidos de proteção em face da possibilidade de aplicação de Direito Sancionatório e em contraponto, restrição/compressão de direitos, o que exige uma maior intervenção do defensor jurídico na ótica das Garantias, dos Direitos e das Liberdades. Falamos essencialmente do principio da proporcionalidade e da ampla defesa corporizando o principio da dignidade humana, como reduto intransponível para o Estado. Como membro da comunidade cigana, na qualidade de jurista, licenciado, mestrado, pós-graduado e “antigo” advogado/estagiário, o que almejo é num futuro próximo poder terminar o estágio e aí sim, materializar todo o conhecimento que generosamente tenho vindo a capitalizar em prol da minha comunidade e de todos





